Mano, filmes como O criador não são mais feitos hoje em dia. É uma parada original de ficção científica, bem rara num mundo dominado por franquias e propriedade intelectual. O criador é um épico de ficção científica ambicioso que parece um blockbuster, mas foi feito com uma verba muito mais baixa. Filmes desse tamanho normalmente custariam mais de US$ 200 milhões, mas O criador foi feito com um orçamento de US$ 80 milhões. E fica bonito pra caramba, com efeitos especiais melhores do que projetos muito mais caros.
Aqui, o produtor Jim Spencer conta como foi trabalhar com o escritor e diretor Gareth Edwards em O criador e como eles conseguiram fazer um filme desse porte com um custo tão baixo. O objetivo era justamente fazer O criador parecer um blockbuster sem gastar uma fortuna. Spencer também compartilha uma prova de conceito que ajudou a conseguir a aprovação do estúdio para o filme e como a recepção dele vai influenciar os futuros filmes originais nesse estilo.
Nota: Essa entrevista foi editada para ficar mais clara e curta.
Tendências Digitais: Como você tá se sentindo?
Jim Spencer: Tô bem, mano. Ainda vou ver como tá a parada na segunda [depois do fim de semana de estreia], mas tô me sentindo muito bem. As exibições foram ótimas. As críticas também. O pessoal tá curtindo bastante. A gente decidiu não seguir o sistema e fazer um filme grande gastando relativamente pouco. E parece que o pessoal tá sacando isso.
Antes de a gente entrar nos detalhes de O criador, deixa eu falar do seu relacionamento com o Gareth. Você lembra quando o conheceu e como foi?
Lembro muito bem, mano. Eu e o Gareth nos conhecemos uns 20 anos atrás, então faz tempo pra caramba. A gente se conheceu quando eu tava produzindo um programa de TV. Foi nos primórdios dos efeitos visuais. Eu tive que levar o diretor pra uma reunião com o cara dos efeitos, que era o Gareth. Ele disse: “Vem me encontrar lá em casa e eu mostro umas paradas”. Eu fiquei tipo, “Beleza”, e fomos nos encontrar na casa dele.
Eu nem sabia que ele morava num apê compartilhado, então a gente acabou sentando na cama dele [risos]. Eu, o diretor e o Gareth, sentados lado a lado na cama, enquanto ele mostrava umas coisas no laptop. Isso ficou gravado na memória, com certeza. A gente se conhece há muito tempo.
Vocês trabalharam juntos em alguns filmes de TV, o que levou a Munsters. Quando o filme foi lançado e teve sucesso, você achou que as coisas estavam prestes a mudar?
Com certeza. Quer dizer, aconteceu, né. O lance é que ele foi chamado pra fazer Godzilla logo depois de Munsters. A gente deu um tempo um no outro durante Godzilla e Rogue One: A Star Wars story, mas a gente sempre manteve contato.
Com Munsters, a gente tava tentando fazer algo parecido com o que a gente fez em O criador, mas com muito menos dinheiro. A gente sempre falava, tipo, se alguém desse um milhão de dólares pra gente, a gente conseguia fazer algo que parecesse 10 milhões, e aí seria mais fácil conseguir mais grana. Será que conseguíamos fazer um filme grandão? A gente conseguiu, espero que tenhamos conseguido.

Com certeza vocês conseguiram. O filme custa menos de 100 milhões de dólares e tá lindo. E aí você vê uns filmes de 200 milhões que são uma bosta, não parecem nada bons. Isso é um elogio pra galera que trabalhou nos bastidores, né? Por que o filme ficou tão bom?
Claro, é uma prova de que muita gente trabalhou duro nos bastidores e fez um trampo foda. Mas também é uma prova de que o Gareth foi um líder que se dispôs a encarar o cinema de um jeito diferente. E nem todos os filmes funcionam assim, né? Isso funciona muito bem pra gente e combina com o jeito mais naturalista que ele queria. Desde o começo, ele queria fazer o filme com a menor grana possível.
Toda a parte de design de produção foi feita na pós-produção, mano. É uma forma bem diferente de fazer as coisas. E vem de alguém que tem uma visão muito clara do que quer alcançar, mesmo que às vezes confunda a galera [risos]. Ele filma até quando um ator ou membro da equipe tá parado. Ele tá sempre filmando alguma coisa, talvez de um jeito meio estranho, porque ele já tá vendo algo que ele vai colocar ali depois.
Os visuais tão muito locos. Tava lendo que o filme começou como um curta-metragem pra explorar locações. Dá pra falar mais sobre esse curta e o que rolou nele?
Claro, com certeza. No fim de 2019, eu e o Gareth tavamos conversando com a New Regency. A gente explicou o que queria fazer, mas sabia que ia rolar umas perguntas sobre como a gente ia filmar com essas câmeras bem pequenas. A gente queria fazer os efeitos visuais de um jeito não tradicional, sem usar marcadores de rastreamento. Queríamos filmar performances bem naturalistas do elenco e também das experiências que tínhamos.
A gente decidiu que a melhor forma de fazer isso era fazer umas duas coisas de uma vez e ir pra Ásia pesquisar locações pro filme. Foi uma ideia muito boa, na verdade. A gente filmou constantemente enquanto tava lá, e depois conseguimos editar um filme de uns 10 minutos que mostrava bem o que a gente queria fazer.
Aí a gente falou com os caras da ILM [Industrial Light and Magic]. A gente perguntou se era possível escolher quem a gente queria que fosse simulação se a gente quisesse filmar alguém. Eles conseguiram fazer essa parada funcionar e fizeram o design de forma que a gente não precisasse nem marcar o cara nem usar rastreador. Foi uma sorte da porra, porque antes precisava fazer tudo isso.
Com isso, o Gareth teve muito mais liberdade na edição, porque a gente podia escolher quem a gente queria que fosse simulação. E a gente podia editar isso. Se a gente tava filmando uma cena e não queria que todas as pessoas ali fossem simulações, a gente escolhia quem queria que fosse. Aí a gente editou isso, mostrou pro estúdio e falou: “Olha o que a gente acha que dá pra fazer”. E isso foi útil em dois aspectos.
Você acha que o filme seria feito mesmo sem essa prova de conceito?
Essa é uma pergunta pra New Regency, se eles comprariam a ideia sem essa prova de conceito. Mas, mano, eles têm ajudado pra caramba. Foi uma aposta muito grande. Mesmo 80 milhões são muita grana pra dizer que ia dar pra filmar com umas câmeras da Sony FX3. Elas são meio parecidas com uma câmera normal, mas a gente usou umas lentes bem locas. Foi interessante.
O estúdio deu bastante liberdade pra gente. A gente tava filmando numa praia da Tailândia e um dia eu tava indo pro set. A gente tava no meio das filmagens e tinha umas pessoas lá na praia, na parte de fora. Aí eles falaram: “Ah, parece que tem alguém filmando uma propaganda pop” [risos]. Ninguém tinha ideia do que a gente tava fazendo. A gente teve muita liberdade pra captar o visual mais naturalista.

Todo filme tem pressão quando é lançado, né? É preciso entregar a parada. Você sente uma pressão extra pra entregar? Você tá meio que levando uma bandeira, mostrando que o público quer esse tipo de filme, e se der certo você pode fazer mais.
Bicho, é muito maneiro você dizer isso. Tomara, né. Olha, é assim em qualquer tipo de filme – comédia romântica, drama, ficção científica –, o público tem que mostrar que curte. É a real, cara. A gente faz os filmes que acredita e que gostaria de ver quando era mais novo. Só dá pra esperar e acreditar que o público vai seguir junto. Então, sim, tomara que sim.
O criador tá nos cinemas agora.
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